segunda-feira, 26 de abril de 2010

Filme do Ano

Filme

Título: Anticristo (Antichrist), de Lars Von Trier.

Sinopse: Um casal, interpretado Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, devastado pela morte de seu único filho se muda para uma cabana isolada na floresta Éden, onde coisas estranhas começam a acontecer. A mulher é uma intelectual escritora que não consegue se livrar do sentimento de culpa pela morte do filho, e ele, um psicanalista que tenta tratar a esposa.

Minha opinião: Perturbador, angustiante. Pode ser considerado uma obra de arte, porém é preciso ser digerido. Durante o filme, é impossível pensar, refletir, tamanha a tensão. Mas, depois do fim, senti uma necessidade absurda de conversar sobre ele, buscar opiniões, debater a respeito. Quero expor tantas coisas que, pela primeira vez, vou dividir minha crítica em partes.

1. Primeiras considerações

É fato que Lars von Trier faz obras incomuns. Como Dogville, o Anticristo divide opiniões. Há os que amam e os que odeiam o filme. Eu fiquei fascinada. Mexeu comigo: senti um desconforto enorme, quase que palpável.

A história é representada por apenas duas pessoas: o homem e a mulher, ambos sem nome. Minha interpretação: Von Trier mostra o antagonismo entre a razão (o homem, psicanalista, arrogante e comedido) e a emoção (a mulher, mãe, histérica, às voltas com suas culpas cristãs). No decorrer do filme, a racionalidade tenta conter a natureza, contrariando-a. No entanto, a natureza reage, aniquilando e subvertendo a racionalidade através de sua força aterrorizante.

Além desse antagonismo, há ainda outro, o mais clássico de todos: entre o bem e o mal. É explorada, em especial, a maldade do ser humano. Já dizia Thomas Hobbes que "o homem é o lobo do homem". Mas o filme mostra que não há uma linha clara entre o bem e o mal. O ser humano não se resume a esta definição maniqueísta. A maldade do ser humano é mostrada especialmente na figura da mulher.

SPOILER! Ela troca os sapatos do filho para torturá-lo, deformando seus pés, e nada faz ao vê-lo em direção à janela. Aliás, a mulher está fazendo sexo e parece não querer interromper seu momento de prazer para socorrer a criança. O sexo seria mais importante do que o próprio filho. Notar que a babá eletrônica havia sido colocada no modo silencioso e que os sapatinhos no chão já estão invertidos. Para quem quiser rever os primeiros minutos (cenas perfeitas: fotografia em preto e branco + câmera lenta + música de Hendel): http://www.youtube.com/watch?v=lW16ywfGrZ0 - censura 18 anos.

No final, o arrependimento da mulher se concretiza com a cena de automutilação, em que ela corta o próprio clitóris. Talvez ela tenha entendido que o sexo a fez cometer maldades. Seria uma vitória do bem sobre o mal?

A natureza, por outro lado, é o bem, tanto que a mulher sente os pés queimarem ao caminhar na mata, e se sente incomodada no local. Quando ela diz que "a natureza é a igreja de Satã", refere-se à natureza humana, a ela própria. E parece que a natureza está tentando entrar em contato com o homem, para avisá-lo do que está acontecendo (daí os seus sonhos, os animais e os símbolos, a raposa que fala).

Em linhas gerais, estas foram as impressões que tive.

2. O diretor

O maior mérito de Von Trier nesse filme está na forma como ele consegue convidar seu espectador de forma gradativa a adentrar na loucura na trama. É importante saber que o diretor escreveu o roteiro quando estava mergulhado em uma depressão profunda. Assim, divide com o espectador um pouco de suas angústias e delírios, criando um filme que faz quem o assiste sentir-se cada vez pior, angustiado.

O tratamento psicológico ao qual o marido, psicólogo, submete a esposa, faz com que ela se afunde cada vez mais em sua dor e loucura. Percebe-se, assim, que o tratamento não surte efeito algum (pelo contrário). Isto é um reflexo da própria convicção do diretor, que não acredita em terapia. De qualquer maneira, não há dúvidas de que Von Trier faz o que pretende com seu cinema: provoca. Provoca o espectador, provoca debates, provoca reflexão.

3. Capítulos

O filme é dividido em capítulos:
- Prólogo ou Prologue
- Luto ou Grief
- Dor (Caos Reina) ou Pain (Chaos Reigns)
- Desespero (Feminicídio) ou Despair (Gynocide)
- Os Três Mendigos (The Three Beggars)
- Epílogo (Epilogue)

Os Três Mendigos (The Three Beggars), representados pelas figuras do Cervo, da Raposa e do Corvo, simbolizam, respectivamente Luto (Grief), Dor (Pain) e Desespero (Despair).

SPOILER! Percebi que cada animal aparece no seu respectivo capítulo. O Cervo aparece no capítulo Luto, carregando pendurado no corpo o filho morto. A Raposa aparece no capítulo Dor, se automutilando e falando “o caos reina”. O Corvo aparece no capítulo Desespero sendo morto a pancadas pelo homem.

A narrativa dividida em capítulos evolui de forma angustiante, reservando as cenas mais pesadas ao final. O filme se mantém, por um bom tempo, no mero terror psicológico. Quando as piores cenas chegam às telas, já estamos incomodados há tempos.

4. Simbolismos

O filme é repleto de símbolos, cujo rol não tenho a pretensão de esgotar neste texto. Aliás, simbolismo, religião, crendices e cultura se misturam de forma envolvente e assustadora. A propósito

SPOILER!: “O longa é simbolismo puro e há dezenas de cenas que poderiam sercitadas para mostrar isso. Destaco duas que refletem a dor da perda do filho pelo pai, que parece não estar se importando com o fato (apenas parece). Uma delas é a águia comendo o próprio filhote, a outra é o veado que possui metadede um filhote parido e podre preso a seu corpo.” http://oembasbacado.wordpress.com/2009/08/30/critica-anticristo-2009/

5. Antíteses a passagens bíblicas?

Há, ainda, quem diga que o Anticristo traz antíteses a passagens bíblicas, tais como

SPOILER!
1) Menino nascido sem que tenha havido sexo, mãe virgem que ama e protege o filho x Sexo e morte de menino, mãe que deixa o filho morrer enquanto faz sexo

2) Eden paraíso, habitado apenas por duas pessoas, Adão e Eva x Eden inferno (cabana, palco de tortura física e psicológica), habitado apenas por duas pessoas.

Obs.: nas palavras livremente traduzidas de Tina Beattie, professora de estudos católicos da Universidade Roehampton, da Inglaterra: “Esta jovem mãe se torna a Eva de Von Trier, que busca do conhecimento proibido, que atrai a morte, responsável pela culpa da raça humana, causa da morte do Filho do Homem” (...) “este par humano – Adão e Eva, todo homem e toda mulher – cruzam a ponte que simboliza o limite entre a cultura e a natureza, a razão e o caos, a sanidade e a loucura: a ponte que leva ao inferno” http://www.opendemocracy.net/article/antichrist-the-visual-theology-of-lars-von-trier

3) Três reis magos, que seguem a estrela guia e celebram a vida x Três mendigos, que seguem uma constelação que não existe e significam que “alguém tem que morrer” (reparar que, no começo do filme, antes da morte do menino, aparecem os seu soldadinhos de chumbo, cujos nomes são Grief, Pain e Despair – vide link do YouTube colocado mais acima).

6. Conclusão

É certo que o Anticristo, assim como outras obras de Lars von Trier, permite múltiplas leituras.

Encontrei, em buscas pela internet, até mesmo quem falasse que o personagem da mulher sofresse influência das idéias do Marquês de Sade, notadamente a idéia de algolagnia – dor e gozo intercalados, experimentando o personagem os papéis de vítima e carrasco. SPOILER! Para se afastar da dor, a mulher recorre ao gozo. Por isso os surtos de sexo com o marido. Faz sentido, não?

Há ainda uma interessante postagem que compara: Anticristo x O Iluminado: http://cinebuteco.wordpress.com/2009/08/30/so-para-quem-ja-assistiu-anticristo/

Termino com as palavras de Luiz Zanin, de O Estadão:
“Talvez não seja gratuito também o título – o mesmo do livro de Nietzsche, sua mais ácida crítica ao cristianismo. Como Nietzsche, também Von Trier poderia ter colocado como epígrafe: uma obra para espíritos livres, pois só estes a entenderão” http://blogs.estadao.com.br/luiz-zanin/o-anticristo-a-dor-e-o-sexo/

Nota: 10,0 (porque há tempos um filme não me fazia quebrar a cabeça assim...)

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Obs.: Paty nunca tinha ficado tão tensa vendo um filme... Nem quando assistiu ao Brinquedo Assassino com 11 anos (e depois achou que as bonecas da estante em frente à sua cama iriam atacar).

domingo, 4 de abril de 2010

A história de Hachiko

Filme

Título: “Sempre ao Seu Lado” (“Hachiko: A Dog's Story”).

Sinopse: O longa é baseado em fatos ocorridos no Japão no início do século XX. Hachiko é o nome do cão akita que ficou famoso por sua história de lealdade ao dono - no filme, retratado por Richard Gere. Todos os dias, Hachiko o acompanhava até a estação de trem e o aguardava na volta, para caminharem juntos até o lar. O filme norte-americano, de 2009, é um remake do original japonês, de 1987, “Hachiko Monogatari”.

Minha opinião: É arriscado comentar algo que não estrague a surpresa para quem for assistir ao filme. No entanto, faço o alerta: prepare-se para chorar. Eu fiquei desfigurada! Mas, além das lágrimas, o filme me provocou sorrisos e reflexões. Realmente, faz-nos pensar em nosso dia-a-dia, nas relações que realmente interessam, na fugacidade da vida. E o meu choro não foi o mesmo que veio com o Marley (de “Marley e Eu”). Com o Hachiko, a história foi outra... Protetora de animais que sou, fiquei profundamente comovida com trajetória de vida do cão. Ao ver tamanha lealdade ao dono, foi impossível não me revoltar ainda mais com os casos freqüentes (infelizmente) de pessoas que abandonam seus animais - o que não só é revoltante ou triste: é, primordialmente, imoral. Enfim, o ser humano ainda tem muito o que aprender com o animal!

Nota: 9,0

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Obs.: Paty é "mãe" da Liz, que é mais legal do que o Hachiko porque traz a bolinha de volta sempre...